Cristo, a superação da religião

by davidraimundo

As propostas de cristianismo que encontramos herdam ritos, rituais e tradições do catolicismo, do protestantismo, do evangelicalismo e, mais recentemente, do neopentecostalismo. Temos à nossa disposição uma enorme panóplia de práticas religiosas que podemos usar para tentar aplacar a consciência de que há um Deus algures a quem devemos prestar devoção. A tentação será então alicerçar a experiência religiosa no templo, na missa diária, nas duas horas de culto dominical ou na música gospel que entoamos com vigor ao domingo. Dá-se relevo há ideia de que existe o ‘dia do Senhor’ e dias disto e daquilo que devem ser observados. O padre ou mesmo o pastor é visto como mediador entre Deus e o povo da sua congregação, em contra-mão com aquilo que o Novo Testamento anuncia. Prestam-se sacrifícios – físicos, financeiros, sacrifícios de agenda e até sacrifícios emocionais – em nome do perdão de Deus, em nome da virgem, em nome da prosperidade ou em nome de alguma outra bênção que queiramos negociar com Deus.

Sim, na organização eclesiástica há tempo para o culto em comunidade, há necessidade de pastores que cuidem dos rebanhos, há espaço para práticas que, repetidas, pela força do tempo, podem tornar-se cristalizadas (e devem por isso ser questionadas de tempos a tempos). Se algumas das práticas acima descritas me parecem estranhas ou mesmo heréticas, outras há que são saudáveis, se devidamente enquadradas. A tradição é inerente à vivência do homem e a repetição, no caminho cristão, pode ser vista como uma forma intencional e necessária de reafirmar a fé e o compromisso com Cristo.

Mas entretanto, Cristo chama-nos para um caminho que supera a religião de ritos e rituais. Um caminho cujo alicerce fundamental não são as tradições, mas a realidade da sua morte e da sua ressurreição na História, no tempo e no espaço.

Este é um caminho que é simultaneamente mais fácil e mais difícil do que a religião de ritos e rituais. Mais fácil porque permite que abandonemos ritos que ou perderam por completo o sentido ou são até supersticiosos e incoerentes com o Deus de Amor revelado em Jesus. Mais difícil porque conduz a uma progressiva compreensão de que viver para Deus não tem tanto a ver com o que fazemos no ambiente reputado de religioso, o templo, o domingo, o culto, etc. “Viver para Deus envolve tudo o que fazemos, todo o dia, toda a hora, em todo o lugar”.

Aqui reside a beleza e a radicalidade da proposta de Cristo: se Jesus é quem ele afirma ser então não posso dar-lhe apenas duas rezas, uns trocos na caixa de ofertas para o serviço da igreja, uma manhã por semana a cantar versos que durante os outros 6 dias não são uma realidade para mim ou uma peregrinação sacrificial até um local religioso. Se Jesus é quem ele afirma ser só tenho uma hipótese: a entrega total e incondicional a ele.

Assim, vou repetindo a oração de Catarina de Siena, “Que Tu sejas, e que eu não!” e vou abrindo os ferrolhos e as portas de todas as área do meu coração e de todas as dimensões da minha vida ao Deus que morreu e ressuscitou. E talvez, talvez, eu chegue a compreender o alcance da declaração misteriosa do apóstolo Paulo: “Assim, já não sou eu quem vivo, mas Cristo vive em mim!”.

 

(P.S. Este texto foi escrito como uma reacção espontânea ao texto de Ed René Kivitz intitulado ‘Sacrifício de Louvor’ cuja leitura aconselho!)